14 de jul. de 2009

Velório drive-thru, moonwalk to paradise – a última canção que eu faço para você (por 7A, 7D e 7M)


São onze mil ingressos sorteados para esse grande enterro-espetáculo com caixão no palco dessa criança de Indiana que representa o pequeno sonho americano lindo dos Estados Unidos inocentes da América. Não culpe o luar, não culpe a dança. Seu caixão banhado a ouro custou vinte e cinco mil dólares e é do mesmo modelo usado no funeral de James Brown. Após os quinze minutos de atraso programados o roteiro do show começa para ver o imenso mito a se criar. Esse enterro online de cadáver congelado e maquiado espera a chegada do caixão nos bastidores do magnífico teatro lírico Staples Center, para esse show-velório com libreto de valor monetário incalculável. É dado o terceiro alarme, celebridades aplaudem a catarse coletiva da comunhão eletrônica (no more dying). O diretor desse imponente espetáculo conseguiu transformar um show em enterro. Agora foram ensaiados quarenta segundos de pausa dramática até que Mariah Carey cante com o cabelo milimetricamente loiro. Máquinas de dançar sobrevivem à angústia dos relógios. Os vitrais de uma igreja irreal aparecem filmados na tela abstrata. Nenhum evento cultural jamais mobilizou tantos anjos como esse. Enquanto isso, Magic Johnson lê um trecho da bíblia para câmera e Justin Timberlake agradece aos coreógrafos. E por onde andará Macaulay Culkin?

Quando Michael (com seus quatro irmãos) ia cantar de cidade em cidade no meio-oeste americano – mero coadjuvante do Gladys Knight & The Pips, sem power gloves brilhantes, calças justas rubro-negras, chapéu branco do Mega Drive – havia, no Espírito Santo, um alfaiate colorido e cantante. Se Narizinho de Michael Jackson era Diana Ross, para Paulo Sérgio a sombra de Roberto Carlos era mais escura que a mão de Joseph Jackson, uma mesma medida de fama/trauma para outra mente brilhante que povoa os céus. Antes mais santo e hoje mais espírito.Um ano e meio depois, em novembro de 1982, 50 milhões de pessoas – moças, rapazes, crianças e adultos – compraram o LP Thriller. Um ano e meio depois, em novembro de 1982, uma caravana de exatas 50 moças foi ao Caju ver Paulo Sérgio morto cantando no seu palco submerso, deixando Lamartine, Tim, Cartola, Noel e Jackson (do Pandeiro), vizinhos de cova, sem qualquer público. Cinco anos depois 25 milhões de LPs Bad foram vendidos e 347 pessoas se amontoaram em cima do túmulo de Paulo para cantar as músicas de seus 13 álbuns já fora de catálogo. Era 27 de julho e Paulo saia do programa do Bolinha, já contrariado das idéias, rumo a Itapecirica da Serra para mais um show inesquecível. Cantou a primeira música da noite, última da vida. Em seguida foi para o camarim morrer, inconsolado, com um aneurisma cerebral. Há 30 anos que no dia de finados o Cemitério do Caju transforma-se em palco-lápide, inspiração para o Staples, ladainha-refrão (“no dia em que parti / você chorou / quase morreu”), para as carpideiras brasileiras apaixonadas, encalhadas desde 1968, ano que Michael havia completado 10 anos e possuía uma cabeleira redonda espichada, moldura de sua voz angelical.

"Michael não é mais americano porque é do mundo todo." Ele é o nosso Macunaíma ao avesso, Michael gravava em sua pele a abolição das raças, a utopia libertária da dança, Michael com seus restos lunares. Estragos de lua desse menino vítima do POP, seus passos de lua ecoam nas pistas de escuridões.Michael visitou Bagdá para sentir o sal da terra, Michael elegeu Barack Obama. Michael com o queixo e nariz esculpidos pela grande indústria, mais real do que uma tela de Francis Bacon. There are many michaels for many souls. Luvas de purpurina acompanharão o homem-show pela tenebrosa desse velório drive-thru: Orgias do vídeo-clipe atravessam os funerais romanos em epitáfio feito para televisão. E o DVD do enterro, quando é que sai? Essa é a estratégia orbituária da fama; quanto mais veneno-remédio se dá para máquina, mais ela vai sobrevivendo. Quando abrirem a tampa do caixão aí sim será o grande final (we made it real). Brooke Shields é a musa do impossível, a deusa EUÁ dos spotlights em chamas da estátua da liberdade. Ambulâncias ainda correm pelo pôr-do-sol de Los Angeles. E afinal, quando é mesmo que sai o DVD do enterro?

Healing the world. Michael pairando, olhando tudo e todos, dando seu moonwalk no paraíso. Como será o paraíso para Michael Jackson? Caixão de bronze, sonhos de metal, paraísos de silício. O curupira dá seu moonwalk no meio do mato virgem. Só o astro pop compreendeu a lenda dos cabelos de fogo. Macunaíma, na tocaia, observa tudo com os olhos rasos d’água. Enquanto isso the stock market keep going on, impiedosamente. Eles não ligam pra gente. Continue seu moonwalk Michael, assim ninguém poderá seguir seus passos rumo à Neverland do hibridismo.

Um comentário:

Aldemar Norek disse...

Onde é que eu assino essa lista?