6 de mai. de 2010

Veneno remédio pós-dilúvio (Para José Miguel Wisnik) por 7A


Milhares de vidas vazias são iluminadas pelo circo simbólico da bola. Seja muitíssimo bem-vindo ao grande oráculo das multidões. O Eros futebolístico abre um sorriso em puro ato de gratuidade estrutural. Aqui está dada a história imemorial do futebol, maquete viva da hipnose coletiva. A bola, placenta celeste, musa para os pés exposta com suas vísceras geométricas, diamante sem furo, bola-sol, esfera-lua. O observador observa a dor do diagnóstico uspiano. O filho do vento encontra o filho do caos.

Em sua tele-onisciência Pelé separa arte e vida. Pelé calado é certamente um "poeta". Sua entidade dupla e mediúnica “Pelé” sabe muito bem distinguir os fatos dos acontecimentos. Aplausos para Edson Arantes do desfalecimento. O fenomenal Ronaldo deu o nome do filho em homenagem ao palhaço do Mc Donald’s. Roberto Carlos, o cortesão decadente arruma sua meia. Aplausos para eles.Este azougue mercurial é vendido como rito em pay per view com replays celestes expostos no ar. Pernas eloqüentes tocam o lado escuro das luas de mármore no placar sagrado das galáxias. Jogadores deveriam usar máscaras, identidades nuas, só assim conseguiriam reger oceanos.

Índios e astronautas da aurora aplaudem a batalha recíproca do futebol, competição televisiva pela ração diária de inocência, Graal moderno com suas quatro linhas lúdicas expostas à céu aberto. Coliseu cavando buracos na gravidade dos instantâneos de Pelé. Entre a dádiva e o veneno. Esperamos pelo nosso Maracanã metafísico. Os espelhos invertidos do Fla-Flu são ensaios de luminosidade noturna. O gol rege os cataclismos nesta gramática das chuteiras semiológicas com seus pulmões de travas. Esta é a caça recíproca dos deuses que dançam; deuses publicitários de si mesmos. Este é o improvável balé das luminárias babilônicas. O Olímpio trágico do Maracanã é o nosso laboratório ancestral. Rola a esfera na terra sintética do espetáculo, órbita em permanente assunção ao rés do chão.

Medusas de gasolina abrigam este transe terreno luminar. O goleiro, sagrado e maldito, mãe do galináceo na vulva etérea das balizas, mãe do marco zero, mãe da meta virginal, deflorado paraíso. Balizas nascem do gol como telas contíguas a qualquer escala do corpo humano, rodeadas com eróticas redes. Anjos famigerados jogam vídeo-game num festim telúrico. O vídeo-game é a mais perfeita anestesia da cultura do simulacro. Gols concretos e elegantes são depositados pela esfera etérea. E segue o baile do destino que se decide em ato; nas cinzas da grama onírica. Medita o goleiro-engenheiro na geometria de seus gestos econômicos. A vertigem do gol sempre abre uma fresta no espaço, todo gol transborda por ser irreversível.

A medieva lunar é bem diferente da bola de gelo da deusa Nike? “Tudo que é belo sempre aconteceu na solitude; nada aconteceu em uma multidão.” Fronteiras são transformadas em ato no limite do suspense, um mar humano comemora. Macunaíma adivinhou Garrincha. Dorival Caymmi [o Macunaíma do dendê, técnico perito em matéria de ócio] aplaude tudo junto com todos os filósofos da praia. O circulo central imita o sol, a meia-lua é seu contraposto. Performances visuais são depositadas nas retinas dos bonecos de mola, hermeneutas do transe, acrobatas da navalha desta obra aberta.

Mas quem será imantado pelo mito? O sagrado do placar só será entregue à eternidade pelo derradeiro apito do juiz. As logomarcas dos demiurgos estarão escritas nas bolas translúcidas de linhas imaginárias. Uma musa pelada em branca disponibilizada para o nada. O tédio de Romário mimetizará a caça, transmutará caça e caçador; aplausos para o nosso sacerdote de asas quebradas. As traves são planeta grávido de gols, corpos telúricos sexuados, viscerados de noite.

Orquestra elástica, emblema da menstruação urbana que os vídeostapes não irão mostrar. O campo daqui é um simulacro do campo de lá. Nós focais obnublados por uma bola a enfrentar o limite real do chão. A morte simbólica do adversário é somente um passo rumo ao troféu. Assim, cada gol servirá de oferenda contra a deterioração limítrofe do sol. O eixo de cada estádio assim se ligará às dimensões subterrâneas do céu. Pelé quer fertilizar o sol.

7 comentários:

Anônimo disse...

Gênio! Vamos fertilizar o Sol com o vinho de Dionísio! Catarse-caos coméia-gol!

Pra dentro deles!

7D

Barbara disse...

No mundo circular dos dias, espero em breve ver outro texto de vocês. Parem de preguiça. Larguem a tv e os jornais. Verborragias circulares agora!
Bjs e adoro vcs ^^

Anônimo disse...

um não-dizer-nada como suporte para um frasismo imagístico .

Augusto Guimaraens Cavalcanti disse...

salve salve o cortesão decadente Roberto Carlos! Não dizer nada? Qual o discurso da poesia? O que a poesia tem que "dizer" para vcs? Que mensagem 1 obra tem que passar? A poesia é esse inutensílio trágico, sem o qual morreríamos de tédio. Salve, salve o pós-dilúvio e a banalidade do futebol! 7A.

Augusto Guimaraens Cavalcanti disse...

Macunaíma adivinhou Garrincha. Dorival Caymmi [o Macunaíma do dendê, técnico perito em matéria de ócio] aplaude tudo junto com todos os filósofos da praia. O tédio de Romário mimetizará a caça, transmutará caça e caçador; aplausos para o nosso sacerdote de asas quebradas. As traves são planeta grávido de gols, corpos telúricos sexuados, viscerados de noite. Pelé quer fertilizar o sol.

Anônimo disse...

7A, são todas questões em aberto! essa pop art literária, em que só há o superficial, é uma reposta possível, que deve ser tão respeitada quanto qualquer poesia política, de cunho social, que enfatiza o conteúdo, engajada. vem do gosto e da preferência por estilos e escolas a crítica ou o elogio, e espero que meu comentário situe-se no meio, tão inútil quanto o que vocês escrevem. aí é partir pro abraço!

Nathalia Calmon disse...

inutilezas. sempre inutilezas. das superfícies ou das profundezas. ou das alturas! sempre inutilezas. Salve!